a liberdade e o querer

Embora a liberdade esteja relacionada ao agir de acordo com a própria vontade, em termos absolutos todo querer é limitador da liberdade, visto que ele direciona/delimita o comportamento. Paradoxalmente, o querer é uma restrição/limitação interna ao exercício da liberdade, embora ela própria seja um querer. O simples desejo de querer manter o que se tem (por pouco que seja) já é um limitador da liberdade, pois as coisas requerem uso/reposição/cuidados, o que já direciona/delimita o comportamento. Quanto mais a pessoa quiser algo, mais isso ocupará sua atenção, e, portanto, menor será a sua liberdade para decidir o que fazer.

Considerando que a liberdade do ser humano está limitada pelos seus desejos, conclui-se que só pode ser plenamente livre quem nada quer. Entretanto, isto não implica que, por ter necessidades, o ser humano esteja condenado a um sentimento continuado de restrição da liberdade (escravidão), pois o que importa na realidade é como a pessoa se sente no tocante à sua liberdade, ou seja, é livre quem sente que não quer nada, que de nada precisa e (1) só sente que não quer nada, quem sente que tem tudo e (2) só sente que tem tudo quem tem todos os seus desejos satisfeitos de forma continuada e segura.

Para otimizar o  sentimento de liberdade, a pessoa deve sempre considerar que:

  1. Quanto maior a intensidade do querer, maior a limitação de liberdade;

  2. Desejos satisfeitos de forma continuada e segura são de baixa intensidade no querer - não estão no foco, são satisfeitos habitualmente sem esforço;

  3. Quem quer pouco tem mais chance de ter tudo. A pessoa deve limitar o seu querer ao que está ao seu alcance satisfazer, mas  a adequação do querer não pode resultar em anulação das necessidades, pois isto contraria a essência e, consequentemente, seria fonte de sofrimentos.

  4. O maior sentimento de liberdade possível (ao alcance do ser humano) é atingido quando se deseja o mínimo (apenas o que se necessita) e se tem estes desejos satisfeitos habitualmente, de forma continuada e segura ao longo da vida.

  5. Desafios ficam melhores quando propostos passo-a-passo. No que excede a necessidade, a pessoa deve limitar o seu desejo ao que está ao seu alcance. O querer mais do que isso deve ser buscado e satisfeito passo-a-passo para diminuir o impacto sobre a liberdade.

  6. O paraíso é um lugar onde a pessoa tenha habitualmente todos as suas necessidades satisfeitas, apesar de não ter nada para chamar de seu.

Liberdade necessária é a suficiente para o atendimento de todas as necessidades. Quanto mais evoluido o indivíduo/povo, mais a liberdade necessária se aproxima da absoluta. Quanto mais correto/perfeito o comportamento do ser humano, mais liberdade ele possibilita. Na perfeição, o querer de um indivíduo não é limitador do querer do outro, pois o foco de todos está no bem coletivo, na doação.

Paradoxalmente, quanto mais evoluído o povo, mais liberdade ele tem e menos liberdade ele precisa. A liberdade evolui a par e passo com o querer. Ele terá atingido a liberdade total, quando precisar apenas de uma: da liberdade total e irrestrita para a busca do bem coletivo. Tudo o mais será liberdade para o que ninguém quer. Em uma sociedade competitiva, o foco está no Ter e, portanto, o querer do indivíduo tende a não ter limites próprios que considere o outro e, consequentemente, ele precisa de restrição/limitação externa ao exercício da sua vontade para conviver com o outro. Em uma sociedade doadora, o querer do indivíduo contempla naturalmente o querer do outro e, portanto, não precisa de limites. Na competição, o indivíduo pode aquilo que não provocar danos ao outro; na doação ele não tem limites ao poder porque não precisa, pois ele naturalmente quer o bem do outro.

Por ser humano e ter necessidades que são satisfeitas apenas no convívio social, a liberdade absoluta, onde o querer e o poder não tem limites, não está ao alcance do homem, é apenas um horizonte. É na perfeição coletiva que ele alcança o ápice da liberdade, pois apenas na perfeição coletiva se obtém uma perfeita adequação entre o querer e o poder de todos, entre a vontade e o possível, e, consequentemente, se atinge a máxima liberdade possível ao ser humano. Só no amor pleno e generalizado (comum a todos) o ser humano estará em perfeita harmonia com o mundo, com a vida em geral, e, portanto, não quererá mais do que lhe é dado e sua vontade não se constituirá em restrição/impedimento para os outros.