johann g. fichte e as leis



Em "Reivindicação da liberdade de pensamento", o filósofo Johann Gottlieb Fichte falou:

"O homem não pode ser herdado nem vendido nem oferecido como dádiva; não pode ser propriedade de ninguém, porque é, e deve continuar a ser, propriedade de si mesmo. Traz no mais profundo do seu peito uma centelha divina que o eleva acima da animalidade e o torna concidadão de um mundo em que Deus é o seu primeiro membro: a consciência. Esta ordena-lhe absoluta e incondicionalmente – querer isto e não aquilo; e tudo livremente e por movimento próprio, sem nenhuma coação externa. Se deve obedecer a esta voz interior – que absolutamente tal lhe ordena - também não deve ser constrangido do exterior, deve libertar-se de todo o influxo estranho. Por isso, nenhum estranho deve sobre ele imperar, ele próprio deve fazê-lo segundo a lei que em si tem; é livre e livre deve permanecer; ninguém pode dar-lhe ordens, a não ser a lei que nele reside, pois é a sua única lei – e ele contradiz esta lei, se se deixar constranger por outra – aniquilando nele a humanidade e degradando-se até à categoria dos animais.

Se esta é a sua única lei, ele pode fazer o que quiser onde ela não se pronunciar; tem direito a tudo o que esta única lei não proíbe. Ora bem, também entra no âmbito do não proibido aquilo sem o qual nenhuma lei é possível, isto é, a liberdade e personalidade, e ainda o ordenado pela lei. Pode, pois, dizer-se que o homem tem direito às condições sob as quais só pode agir em conformidade com ao dever, e às ações que o seu dever exige. A tais direitos nunca se deve renunciar; são inalienáveis. Não temos direito algum a aliená-los.

Também tenho direito às ações que a lei simplesmente permite: mas posso não fazer uso desta permissão da lei moral; não disponho então do meu direito, mas renuncio a ele. Os direitos deste segundo tipo são, pois, alienáveis; o homem, porém, tem de voluntariamente renunciar a eles, nunca deve ser forçado a aliená-los; de outro modo seria obrigado por uma lei distinta da que nele reside, e isto é injusto tanto para o que faz a lei como para o que a sofre, onde ela pode ser mudada.

Posso renunciar aos meus direitos alienáveis sem condição alguma, posso doá-los a outro; é-me permitido igualmente renunciar com condições, posso trocá-los por alienações que outros fazem. De semelhante intercâmbio de direitos alienáveis por direitos alienáveis surge o contrato. Renuncio ao exercício de um dos meus direitos com a condição de que o outro renuncie ao exercício de um dos seus. – Os direitos a alienar no contrato só podem ser direitos a ações externas, não a convicções interiores, pois, no último caso nenhuma das partes se poderia convencer de se o outro cumpriu, ou não, as condições. As disposições interiores, a veracidade, o respeito, a gratidão e o amor dão-se livremente; não se adquirem como direitos.

A sociedade civil funda-se num contrato assim, de todos os seus membros com um ou de um com todos, e não pode fundar-se noutra coisa, porque é de todo ilegítimo deixar-se dar leis por outro. A legislação civil é válida para mim só enquanto voluntariamente a aceito – mediante que sinal, não interessa agora aqui dizer – e dou-me a mim mesmo a lei. Não posso deixar-me coagir por nenhuma lei, sem renunciar assim à humanidade, à personalidade e à liberdade. Neste contrato social, cada membro renuncia a alguns dos seus direitos alienáveis, com a condição de que os outros membros renunciem também a alguns dos seus.

Se um membro não cumpre o seu contrato e recupera os direitos que alienara, então a sociedade tem o direito de o forçar ao cumprimento, mediante a restrição dos direitos que por ela lhe estavam garantidos. Sujeitou-se voluntariamente a esta restrição por meio do contrato. Daqui dimana o poder executivo."